Rebobine se puder !

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Rebobine se puder !

Talvez este texto soe como se eu fosse uma senhorinha de 90 anos, nostálgica e saudosista, presa a um passado distante. Mas não, não sou uma idosa de 90 anos. Ainda nem cheguei aos 40, embora já tenha visto tantas coisas mudarem de forma tão rápida que, às vezes, o passado (que ainda é muito) recente parece ter acontecido há séculos.

Sou da época em que as fotos eram contadas: 12, 24, ou, se a ocasião fosse realmente especial, 36 poses. Escolhíamos os lugares e as pessoas a dedo, porque não havia espaço para tudo e todos. Não existia a chance de conferir se saímos bem, sem olhos fechados ou poses estranhas. A revelação das fotos era quase mágica, uma mistura de expectativa e surpresa. Pra mim um romantismo que não existe mais. Depois, vinham os álbuns, guardados com carinho no armário, prontos para serem folheados durante a visita de alguém especial. Afinal, ali se guardavam muitas histórias e momentos especiais.

Sou da época das locadoras, onde as fitas VHS (e, mais tarde, os DVDs) eram tesouros que alugávamos para um fim de semana inteiro. A sexta-feira era um ritual: passar horas entre as prateleiras escolhendo os filmes perfeitos. Um romance, uma comédia e talvez um terror para uma diversão extra. A devolução, só na segunda-feira, fazia parte da diversão. Com o adendo, se esquecesse de rebobinar tinha multa.

Sou da época da internet discada, que era uma aventura à parte. Conectar à noite ou nos fins de semana era mais barato, mas ocupava a linha telefônica. Era uma internet que, curiosamente, nos desconectava do mundo real apenas por instantes – e permitia que voltássemos a viver lá fora logo depois.

Sou da época de esperar a música favorita tocar na rádio para gravá-la, com a fita preparada no momento certo ou então esperava pelo videoclipe favorito na MTV (um canal de música que nem sei se existe mais) para gravá-lo e poder rever quantas vezes quisesse. Sou da época em que finais de novelas, filmes e séries eram eventos aguardados, com hora marcada e uma pontinha de ansiedade. Víamos todos juntos, como se fosse um acontecimento. E era!

Mas também sou da época da máquina digital, que logo foi engolida pelos celulares. Com eles, passou a ser possível tirar um milhão de fotos em qualquer lugar, a qualquer momento. Só que, paradoxalmente, quase nunca revelamos essas imagens, e os álbuns físicos se tornaram memórias de outro tempo (que nem tem tanto tempo assim).

Sou da época dos streamings, em que o mundo inteiro está ao alcance de um clique. Filmes, séries, músicas – tudo disponível, agora, na hora que quisermos. Mas também sou da época em que consumimos tanto conteúdo que raramente terminamos algo. Às vezes, até queremos rever um clássico, mas ele não está em nenhum catálogo, como se tivesse desaparecido da história.

A modernidade trouxe muito, mas também levou um pouco. Trouxe a praticidade, mas levou a espera. Trouxe o excesso, mas levou o significado. Talvez o que eu sinta falta não sejam os objetos ou as tecnologias antigas, mas o jeito de viver que elas proporcionavam: mais lento, mais presente, mais humano.

 

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